Por todos os lados lemos e ouvimos o quanto estamos passando por um momento único na história. Todos fomos pegos de surpresa com a pandemia do Covid-19 e tivemos que mudar nossa rotina drasticamente em poucos dias. Gerenciar e posicionar uma marca neste contexto novo e incerto é um desafio para todas as empresas. Preocupados prioritariamente com o impacto no faturamento, a possível redução do quadro de funcionários e outros desafios trazidos pela crise atual, muitos gestores acabam deixando de lado e negligenciando a estratégia de comunicação e a gestão das marcas.
Marca é a soma das diferentes percepções que as pessoas têm em relação a uma empresa, seus produtos e serviços. É a imagem construída ao longo dos anos em relação ao que a empresa diz sobre ela mesma e sobre suas atitudes e entregas. Ela é o ativo intangível mais valioso de uma organização. É o próprio negócio. O propósito de uma marca determina o modo como a empresa se relaciona com seus públicos e toma suas decisões.
O acúmulo da reputação (positiva ou negativa) de uma marca é crucial em momentos de crise. Lembrando que a boa reputação é resultado da coerência entre discurso e prática pautada na transparência e no relacionamento com os diversos públicos de uma empresa. E, nessa lógica, as marcas precisam manter a coerência com seu propósito antes, durante e depois de uma crise.
Empresas com boa reputação de marca têm, mais facilmente, uma segunda chance do consumidor e de seus públicos em caso de erros ou deslizes na tomada de decisões. Preocupação com ajustes de rotas e a boa vontade das organizações diante da situação atual serão bem vistos no curto e no longo prazo. De qualquer forma, sabemos que não existe um guia de sobrevivência para as marcas na pandemia do Covid-19. Tudo é muito novo e os gestores passarão muitos erros e acertos. No caso da gestão de marcas, o melhor caminho é o diálogo e a aproximação com os públicos impactados pela empresa. É hora de estar junto.
Retomando um pouco a evolução do marketing, sabemos que o consumidor já não decide sua compra baseado apenas em preço, qualidade e acessibilidade. Já não é mais suficiente explorar apenas o valor agregado e as vantagens dos produtos e serviços para o consumidor. É preciso olhar todos os públicos e os impactos ambientais e sociais causados pela empresa. Hoje as pessoas estão mais críticas, dispostas a contestar as atitudes das marcas e a preferirem empresas que defendem causas.
Em 2018, segundo uma pesquisa do Fórum de Marketing Relacionado à Causa (Ipsos, Cause, ESPM e Instituto Ayrton Senna), 77% dos consumidores esperavam que as empresas contribuíssem mais para a sociedade. Cerca de 82% dos entrevistados já se declaravam favoráveis a empresas que contribuem para uma causa. Em períodos como o que estamos vivendo, a cobrança por um posicionamento e atitudes socialmente responsáveis das marcas é intensificada. Assim como, o olhar crítico para a coerência entre discurso e prática. O assunto Covid-19 e a crise atual torna-se ainda mais delicado para marcas que nunca deram atenção para ações sociais e afins. Mesmo assim, este é o momento de começar a agir e dialogar.
As marcas precisam manter o relacionamento com seus públicos aquecido. O momento é propício para ouvir as pessoas. Atitudes tomadas agora serão reverberadas por muito tempo trazendo reflexo, inclusive, na hora do consumidor tomar a decisão de compra lá na frente. Um bom trabalho de comunicação é crucial para manter a empresa viva na mente das pessoas e para posicionar corretamente as marcas. A empresa que dialogar hoje, se conectará mais facilmente com seus públicos no futuro.
É preciso tomar alguns cuidados.
A prudência na abordagem e na definição do objetivo da comunicação é essencial. O consumidor entende que as empresas precisam sobreviver e manter o emprego de seus funcionários. A economia precisa continuar girando. No entanto, agora não é o momento de estimular a venda dos produtos de maneira agressiva. Não dá para fazer uma comunicação apenas focada em conversão de vendas neste momento.
As ações sociais não devem ser confundidas com ações de marketing. É preciso parcimônia e cuidado nesta comunicação. A divulgação das ações sociais praticadas durante a pandemia deve ter o intuito de estimular outras marcas a fazerem o mesmo. Além disso, é importante a coerência entre a causa abraçada e o propósito da marca. Este é um momento para agir coletivamente, cocriar e atuar em rede. Um bom exemplo é a ação feita em parceria da Avon com a Natura para ajudar mulheres vítimas de violência doméstica durante a pandemia do Covid-19.
Outro ponto fundamental é de que a estratégia de comunicação deve começar com o público interno. O diálogo deve ser iniciado primeiramente com os funcionários das empresas, que precisam sentir-se seguros e acolhidos. Líderes precisam estar próximos de sua equipe e a preocupação com o bem-estar de todos é primordial, tanto na fala quanto nas ações promovidas pela empresa.
Uma outra preocupação é em relação ao posicionamento pós pandemia. Não vai dar para agir como se tudo tivesse voltado ao normal de uma hora para a outra. A recuperação de uma crise é lenta. Além do mais, teremos uma evolução e não uma volta a rotina e as práticas de antes da pandemia. As marcas devem, mais do que nunca, investir em estratégias de conteúdo, relações públicas e na humanização das ações.
É preciso ficar atento às mudanças já trazidas pela crise atual. Conceitos como o consumo consciente e a economia colaborativa estão sendo acelerados. Os problemas sociais estão mais expostos e, como já colocado, a preocupação com as causas apoiadas pelas empresas serão ainda maiores. No mundo pós pandemia — a brave new world, o consumidor passará a escolher novas marcas. Neste sentido, as marcas precisam de uma vez por todas agir com transparência, estarem ao lado de todos que são impactados de alguma maneira por elas e terem coerência entre discurso e prática. Está na hora das empresas passarem a se enxergar como comunidade.